terça-feira, 12 de julho de 2016

NOTA DE REPÚDIO A SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS SOBRE DROGAS (SPD)

Vimos denunciar ao mesmo tempo que lamentar que a Secretaria Especial de Políticas sobre Drogas (SPD), órgão do Governo do Estado do Ceará, invista seu trabalho no campo das drogas para ampliar vagas em comunidades terapêuticas, de forma quase que exclusiva. Com isso deixa de valorizar o trabalho de atendimento na rede SUS e investir em ações mais eficazes no acompanhamento de pessoas que buscam atendimento em função de apresentarem problemas relativos ao uso de drogas lícitas ou ilícitas. É de se lamentar portanto que recursos públicos sejam direcionados a instituições particulares, muitas delas sem quaisquer avaliação competente por órgãos de fiscalização sanitária ou órgãos de classe ligados a profissionais da área da saúde. A SPD deixa claro em seu site ao referir-se ao edital que abriu para contratar comunidades terapêuticas: “Hoje, a SPD tem 222 vagas conveniadas. Com a finalização do certame, a expectativa é ampliar, paulatinamente, este número. A meta da SPD é dispor de unidades de acolhimento em todas as macrorregiões do Estado numa forma de interiorizar o serviço. Atualmente, o Sistema Acolhe Ceará dispõe de 572 vagas nas CTs, divididas entre SPD e Senad. A maioria das CTs está localizada na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF)”.

Com essas medidas vemos o Governo do Estado posicionar-se ao lado daqueles que buscam desmantelar a rede SUS, com o intuito de desmoralizá-la junto a opinião pública e dar continuidade a privatização da Saúde. O Governo, assim, implementa medidas que ameaçam todas as conquistas obtidas na defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) e da ampliação da rede de atenção psicossocial.

Se isso não bastasse, vemos que tal política contrapõem-se a reforma psiquiátrica e luta antimanicomial, rechaçando os avanços científicos comprovados mundialmente em relação ao tratamento de pessoas que buscam serviços de saúde em função de problemas no uso de drogas lícitas ou ilícitas. Pesquisa científica recente (Werb et. al, 2015) publicada no “International Journal of Drug Policy”, realizou revisão sistemática de estudos que avaliavam os resultados obtidos com tratamentos cuja meta é a internação. A pesquisa fez uma ampla revisão da literatura existente em importantes bancos de dados: PubMed, PAIS International, Proquest, PsycINFO, Web of Science, Soc Abstracts, JSTOR, EBSCO / Search Academic Complete, RedALyC, SciELO Brasil. Conclui-se que, sejam internações curtas ou de longa duração “não há nenhuma avaliação sistemática das evidências científicas sobre a eficácia desse tipo de tratamento”. 

São inúmeras as histórias de “terror manicomial” que vemos na imprensa advindas de comunidades terapêuticas que, em geral, advogam “tratamento” com foco exclusivo na abstinência, reforçando a vertente proibicionista o que também é um equívoco no que ser refere a terapêutica desse problema. A Revista Internacional de Direitos Humanos - SUR, publicou no mês de agosto de 2015, um Dossiê sobre Drogas e Direitos Humanos, com textos temáticos sobre as políticas de drogas no Brasil e em outros países, problematizando o impacto do proibicionismo e da guerra às drogas para as populações afetadas direta ou indiretamente pela violência e outras formas de violação de direitos. Na publicação citada há um texto do neurocientista estadunidense Carl Hart, que analisa o slogan da campanha brasileira “Crack é Possível Vencer”, que desencadeou inúmeros financiamentos públicos a comunidades terapêuticas em nosso país. Hart convida a que se supere a educação simplista sobre drogas, que se resume a apontar que substâncias não devem ser usadas, sem que se discuta efetivamente o tema. Lembra o cientista que quase 80% dos usuários de crack não vão desenvolver “dependência” relacionada à droga e que, por outro lado, aspectos econômicos e sociais implicados na problemática do uso do crack não são explicitamente apresentados em campanhas governamentais, o que ajuda a reforçar a impressão de que o tráfico e os traficantes são responsáveis por toda a violência e criminalidade existentes nas grandes capitais de nosso país.

A SPD, ignora todo esse debate mundial apostando na lógica da abstinência, e aportando financiamentos públicos as comunidades terapêuticas que minam a política oficial de redução de danos. Algo de grave está ocorrendo com essa Secretaria que criou o projeto “Corre pra Vida”, baseado no programa “Ponto de Cidadania” existente na cidade de Salvador, que, por sua vez foi inspirado nas ações do “Consultório de Rua” coordenadas pelo professor e pesquisador da UFBA, Antonio Nery Filho. O “Corre pra Vida” tem o objetivo de atender pessoas que vivem na rua e funciona em um contêiner localizado na área denominada de “Oitão Preto”, no Centro de Fortaleza. O que deveria ser um ponto de acolhimento tendo como prioridade ações de Redução de Danos e encaminhamentos a rede de saúde pública, acabou se tornando um verdadeiro entreposto de encaminhamento às comunidades terapêuticas. O projeto foi completamente mudado pois em sua origem dizia “A equipe atuará na abordagem de pessoas em situação de rua, em especial aquelas que fazem uso de drogas, na perspectiva da redução de danos, visando promover direitos e articular a rede SUS e SUAS, de acordo com as necessidades desses sujeitos” (Em: Diretrizes Estratégicas da SPD: Programas e Projetos). Com as mudanças no projeto original coordenadores viram-se obrigados a sair do programa e, profissionais e técnicos que se aliam a perspectiva de Redução de Danos estão sendo demitidos e alguns difamados como “apoiadores do tráfico de drogas”.

Se tudo isso não bastasse, temos ainda a denúncia de que quem efetivamente coordena a SPD é um profissional da saúde que tem sala própria na Secretaria e de lá convoca reuniões e faz valer as ações deste órgão do Governo do Estado, destarte ter uma coordenação que parece apenas servir de fachada para encobrir quem realmente coordena.

Diante destas graves denúncias vimos exigir providências imediatas do governador do Estado do Ceará Camilo Sobreira de Santana, no sentido de firmar explicitamente seu compromisso com o fortalecimento da rede SUS, conquistada pela sociedade como universal, equitativa, qualitativa e de atenção integral. Compromisso que deve se estender ao combate dos grotescos desvios da SPD, colocando-a longe de servir a interesses privados de mercado.


  1. Ala Feminista da Marcha da Maconha (RJ) 
  2. Articulação Psicanalistas e Psicólogos Iara Iavelberg -Ceará
  3. Associação Brasileira de Psicologia Social
  4. Associação Brasileira de Saúde Mental
  5. Associação Ciranda da Cultura (PR)
  6. Centro Acadêmico de História da Universidade Federal do Ceará
  7. Centro Acadêmico de Psicologia da Universidade Federal do Ceará
  8. Centro de Prevenção às Dependências - Pernambuco
  9. Coletivo de Saúde da Universidade Federal da Paraiba
  10. Comissão Pró-Fórum Cearense de Direitos Humanos
  11. Conselho Regional de Psicologia – 11
  12. Coletivo Antiproibicionista de Pernambuco
  13. Coletivo Antimanicomial "Locomotiva" (SE)
  14. Coletivo Balanceará
  15. Coletivo de Advocacia Popular "Tancredo Neves"
  16. Coletivo Desentorpecendo a Razão - São Paulo
  17. Coletivo Plantando Informação
  18. Coletivo Retirantes - Ceará
  19. Comitê da Desmilitarização da Polícia e da Política
  20. Diretório Acadêmico de Jornalismo e Comunicação Social-UFC
  21. Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação Social
  22. Fábrica de Imagens - Ações Educativas em Cidadania e Gênero - Ceará
  23. Fórum Cearense LGBT
  24. Fórum Cearense da Luta Anti-Manicomial
  25. Fórum Cearense de Residências
  26. Fórum Cearense de Direitos Humanos
  27. Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte, Saúde e Educação "InquietAÇÕES" (UFPA)
  28. Grupo de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental - FANOR
  29. Grupo de Pesquisa e Intervenção sobre Violência, Exclusão Social e Subjetivação (UFC)
  30. Grupo de Trabalho da ANPUH: História, Saúde e Doença - CE
  31. Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas
  32. Laboratório de Pesquisa em Psicologia Ambiental (UFC) 
  33. Laboratório de Tecnologias, Ciências e Criação (UFMT)
  34. Movimento Antimanicomial Sobralence - CE
  35. Movimento Loucupa-CE
  36. Movimento pela Legalização da Maconha
  37. Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública
  38. Movimento Nacional da Luta Antimanicomial
  39. Movimento Viva Gente
  40. Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas sobre Crianças da Universidade Federal do Ceará
  41. Núcleo de Estudos e Pesquisa Lógicas Institucionais e Coletivas - PUC-SP
  42. Núcleo de Pesquisa e Extensão sobre Drogas (UFCG)
  43. Núcleo de Pesquisa em Gênero e Masculinidade (UFPE)
  44. Núcleo de Psicologia Comunitária da Universidade Federal do Ceará
  45. Núcleo de Psicologia do Trabalho da Universidade Federal do Ceará
  46. Núcleo de Estudos sobre Drogas – UFC
  47. Núcleo de Estudos em Políticas e Tecnologias Contemporâneas de Subjetivação "E-politics" (UFRGS)
  48. Observatório da Violência (UFPB)
  49. Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas
  50. Rua- Juventude Anticapitalista
  51. Setorial de Saúde do PSOL-Ceará
  52. VER-SUS Fortaleza (CE)
  53. VER-SUS Parahyba
  54. Laboratório de Estudos em Análise do Comportamento - UFC
  55. Rede Cearense de Redução de Danos
  56. Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial
Organizações que desejam aderir ao manifesto escrever para: nucedufc@gmail.com

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