Fonte da matéria: http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2016/08/02/noticiasjornalopiniao,3642551/metilona-canibalismo-ou-imbecilidade.shtml
Recentemente, a imprensa cearense foi tomada pela notícia de que havia sido apreendida em Fortaleza uma carga de metilona, uma terrível droga ilegal que provocaria canibalismo. Esse seria um exemplo pungente de como as drogas ilícitas são um mal em si que precisa ser combatido de maneira implacável. Mas, tirando o fato de que a droga apreendida foi a metilona, nada mais nesse encadeamento de pensamentos está preciso.
Em primeiro lugar, o boato do canibalismo se formou sem qualquer base de evidência, diante de um caso acontecido em Miami no qual um indivíduo em surto, de fato, cometeu canibalismo e foi morto pela polícia, mas em cujo sangue e estômago não foi encontrado qualquer sinal de metilona.
Além disso, vale lembrar que a metilona não era ilegal em nosso país até há pouco mais de dois anos. Funcionando como um substituto não ilícito do princípio ativo do ecstasy, o MDMA, a metilona era mais barata e não dava cadeia. Embora não haja qualquer evidência de que ela cause canibalismo, a metilona apresenta mais riscos do que o MDMA, mas floresceu justamente por ser mais barata e, até então, não proibida. Tem sido assim no caso das drogas sintéticas: quando uma substância é proibida, uma fila de moléculas novas com estrutura química semelhante já está pronta para tomar o seu lugar.
Drogas podem causar danos. Por isso, políticas e intervenções de saúde pública são fundamentais, mas devem ser sempre baseadas em evidências e no respeito às pessoas. A repressão policial, normalmente, faz o contrário. A ‘Guerra às Drogas’ mata muito mais do que as próprias substâncias ilícitas, como já vem sendo reconhecido internacionalmente, inclusive pelos Estados Unidos, país onde ela foi criada.
Porém, enquanto praticamente todo o continente sul-americano descriminalizou o porte de drogas, o Brasil continua exceção – junto da Guiana e do Suriname – qualificando o usuário de drogas como criminoso, mesmo já se sabendo que isso afasta as pessoas do tratamento e não coíbe o uso.
A questão das drogas se trata olhando além da droga, focando nas pessoas. Drogas vão muito além de sua ação farmacológica. Há diversos fatores de risco sociais ligados ao seu uso problemático. Enquanto for mantida essa visão alarmista e sensacionalista, focada unicamente na ilicitude – infelizmente, algo reproduzido na mídia, porque vende notícia –, continuaremos distantes de políticas que combatam um de seus principais efeitos colaterais, que é o de tornar a todos nós imbecis.
Luís Fernando Tófoli
Psiquiatra e professor de Psiquiatria da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp)
Campinas (Unicamp)
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