terça-feira, 16 de maio de 2017

FRENTE ESTADUAL ANTIMANICOMIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

NOTA DE POSICIONAMENTO

Frente Estadual Antimanicomial do Estado de São Paulo vem a público posicionar-se radicalmente contra a violência com a qual o Estado de São Paulo tem atuado contra os Usuários de drogas.

O território popularmente conhecido como "Cracolândia" é marcado por acirrada disputa: se por um lado defendemos um Modelo de Cuidado, representado pelo programa De Braços Abertos, que realiza abordagens baseadas na política de Redução de Danos, na Atenção Psicossocial e no Cuidado em Liberdade, respeitando sempre os direitos e escolhas de todos os Cidadãos, por outro lado, em oposição e na lógica inversa, há um modelo repressivo que defende a internação em instituições psiquiátricas ou comunidades terapêuticas, contribuindo para a ampliação da criminalização da pobreza, do encarceramento em massa e do caráter higienista que visa "limpar" da cena social àqueles considerados "indesejáveis" aos olhos de uma sociedade proibicionista, que coloca na conta do fracasso pessoal a miséria e a exclusão,  minimizando a complexa trama que produz vulnerabilidades e desafia as políticas sociais.

O modelo que aposta na internação compulsória, na abstinência forçada e na criminalização dos usuários de drogas nos leva a crer que muitas redes e políticas de inclusão são desconsideradas e desinvestidas pelo poder público, que teria como principal finalidade defender e garantir direitos para seus cidadãos. Sabemos que todas essas estratégias de guerra às drogas acabam desencadeando uma onda de violência e mortalidade ainda maior do que os prejuízos associados ao próprio consumo, na medida em que as ações repressivas são deflagradas contra as pessoas que deveriam ser cuidadas e protegidas pelo Estado, principalmente via atenção à saúde e apoio da assistência social para garantia de direitos básicos. As internações forçadas nunca foram o melhor modo de cuidar de uma população que vive em cenário de total escassez e, a suposição de que uma vez internadas estas pessoas nunca mais usariam drogas, cai por terra a cada vez que o Estado organiza internações em massa e, após período relativamente curto de tempo, as cenas de uso voltam a se organizar nos territórios, caracterizando sua baixa efetividade. Enquanto o alvo for combater o uso drogas, continuaremos assistindo ao genocídio da população pobre, que via de regra vive em situação de rua e que não é atendida pelas políticas públicas.

Em 2012 a Cracolândia passou por um ataque chamado de Operação 'Dor e Sofrimento', nome dado pelos próprios idealizadores, para justificar o extermínio da droga, apostando que, a partir da forte repressão, os usuários buscariam tratamento. Esta operação tinha objetivo claro de extermínio e segregação, pois comprovadamente não é deixando de ofertar a droga e criando sujeitos abstinentes, que se erradicaria a questão complexa da Cracolândia, espaço de usuários e não-usuários de droga.

Em 2017, após as promessas de Dória em sua campanha sobre o fim do DBA e a instauração do Projeto Redenção, que volta ao conhecido mote de investimento nas internações compulsórias em massa, as ações repressivas das polícias civil, militar e federal e dos agentes da guarda civil metropolitana se intensificaram. A mídia tem papel fundamental na construção deste cenário de guerra às drogas, veiculando matérias que alardeiam problemas relacionados ao uso de drogas e criminalizam os usuários de crack, gerando imaginário que amedronta a população, numa verdadeira empreitada de sustentação da política repressiva contra uma população já tão discriminada. Nesta última quarta-feira, 10 de maio, a chamada Cracolândia foi alvo de balas de borracha, bombas de efeito moral e uso de munição letal,  configurando um verdadeiro massacre e um cenário de guerra, que terminou com pessoas feridas e barracas incendiadas. O motivo da ação violenta da PM e da GCM teria sido o roubo de um celular. Precisamos nos indagar: em qual lugar do planeta se arquiteta uma ação de tamanha magnitude e com tanta truculência a partir da denúncia de um roubo de celular?

Fervilhados pelo momento de conjunção política, Alckimin e Dória unem projetos higienistas dos governos Estadual e Municipal numa verdadeira política de extermínio. Está deflagrada a guerra às pessoas que vivem e circulam no território da Cracolândia e também em outros territórios na cidade de São Paulo. Todo e qualquer usuário de drogas em situação de rua e/ou vulnerabilidade estão sujeitos à violência de Estado. Como resposta à repressão do Estado, a violência também marca as relações entre a própria população que vive nos cenários de vulnerabilidade; a conta é simples, violência gera violência. Alguns outros territórios, como a Zona Norte, por exemplo, vivenciam cenas gravíssimas de violência entre a própria população em situação de rua e também de violência policial; os serviços de saúde recebem diariamente pessoas vítimas destas violências. Na região de Santana, existem várias denúncias, inclusive de óbitos, sem qualquer registro ou investigação. A vida desta população parece não ter qualquer valor.

O "White Smoke District", este lugar sofisticado que o prefeito deseja, assim como todos os espaços sofisticados, antes de White, será Red, são forjados às custas de exclusão, segregação, feridos e mortos. Este projeto de "cidade linda" ainda custará muitas vidas e ficará manchada de sangue.

Por uma sociedade sem manicômios!

São Paulo, 13 de maio de 2017
FEASP - Frente Estadual Antimanicomial de São Paulo

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