Antonio Escohotado: conselhos do vovô psicodélico
Por Cynara Menezes
Publicado em 1 de setembro de 2013.
Em: <http://socialistamorena.cartacapital.com.br/antonio-escohotado-conselhos-do-vovo-psicodelico/>
Conheci o trabalho do ensaísta Antonio Escohotado no final da década de 1990, quando morei na Espanha. Tinha me esquecido dele até que deparei outro dia com uma entrevista sua num programa de TV onde ele explicava porque, aos 73 anos, continua a usar maconha diariamente: “A maconha me traz uma espécie de lucidez depressiva que me cai bem”. Achei a frase interessante e decidi traduzir algo dele para vocês.
Escohotado
é um dos maiores especialistas em drogas do planeta. É autor do
monumental História Geral das Drogas (inédito no Brasil), um
catatau com mais de 1,5 mil páginas. Mas a diferença dele para outros teóricos
do assunto é que Escohotado também é usuário. Experimentou tudo e, como tal,
pode falar de cadeira. Nesta entrevista que deu ao jornalista Juan Rendón em
2003 para a extinta revista LOFT, chacoalha os velhos (e os novos)
conceitos sobre drogas.
Em
primeiro lugar, considera que todas as drogas podem ser igualmente prejudiciais
ou positivas –depende muito mais do usuário do que da substância em si. Em
segundo lugar, não aceita que o viciado se vitimize, como é frequente. Pelo
contrário, joga para ele a responsabilidade sobre o que faz da sua vida.
Defende que não é a droga que leva alguém a agir de maneira negativa e destruir
lares. É, isso sim, utilizada como desculpa por pessoas que já possuíam uma
índole perversa. Dependendo de quem usa, e sabendo usar, qualquer droga pode
trazer uma experiência enriquecedora.
“Tudo
que a inteligência humana descobriu é neutro em si mesmo. Somos nós os que,
dependendo da pessoa e da ocasião, tiramos as coisas de sua neutralidade e as
fazemos boas ou más”, assegura. Pessoas com a mente fechada irão se
escandalizar com as palavras de Antonio Escohotado. Pessoas com a mente aberta
terão a oportunidade de olhar para as drogas de uma maneira completamente
distinta. Boa leitura.
Por
Juan Rendón (maio/2003)
Antonio
Escohotado é um professor de Filosofia e Metodologia das Ciências Sociais na
Universidade Nacional de Educação à Distância em Madri que escreveu três
volumes sobre a história geral das drogas. Este ano acabam de reunir suas três
obras em um tomo de 1542 páginas. Seu trabalho se converteu em um dos recursos
de informação mais usados pelos interessados na temática das drogas. Escohotado
é o avô psicodélico da Espanha, o que mais sabe do assunto, o
que experimentou tudo e conservou a lucidez para nos contar. Um sábio para
muitos, um charlatão para outros. Até como perigoso foi
catalogado. E se é, é porque suas ideias são convincentes e porque vão de
encontro a muitas das posturas dos policymakers dos últimos tempos quanto à
regulação das drogas. Aos 62 anos (hoje 72), Escohotado continua a usar
a heroína para se inspirar e o tabaco para viver. Em vez de palavras etéreas e
argumentos descabelados (como poderia se esperar de um veterano heroinômano),
Escohotado utiliza um vocabulário sofisticado e um raciocínio contundente para
expressar sua crítica à forma como é entendido atualmente o problema das
drogas. Sua mente é audaz, perspicaz, e sobretudo prolífica. Escreveu vários ensaios
com matizes antropológicos e filosóficos. Entre eles Realidade e
Substância, De physis a polis, Majestades, crimes e
vítimas, O espírito da comédia, Rameiras e esposas e A
questão do cânhamo. Compartilhou com LOFT sua maneira livre de ver o mundo.
Existe
hoje algum problema com as drogas que a humanidade não teve antes?
Talvez
a superabundância, porque, para cada substância psicoativa antiga, atualmente
deve haver mil. Isto cria, de um ponto de vista positivo, muito mais meios para
controlar e dirigir seus sentimentos, suas percepções e, por outro lado, muito
mais temor na sociedade. É como o medo que, no século 17, o livre pensamento
podia gerar.
Por
que há essa superabundância?
Pelos
pacientes trabalhos de sintetização química que foram feitos paralelamente à
cruzada contra as drogas. As bruxas, os bruxos e os feiticeiros possuíam os
depósitos do saber ecológico antigo, e mesmo que tenham sido esmagados pela
erupção do monoteísmo com vocação universal –o bramanismo, o cristianismo e
depois o islã–, seu saber acumulado nunca foi destruído. Permaneceu nas
bibliotecas e coleções privadas. Quando a cruzada contra os bruxos começou a
ceder, no final do século 17, praticamente todos os recursos que os feiticeiros
herboristas tinham passaram a ser remédios respeitáveis. As farmácias e o que
agora conhecemos como farmácias de manipulação se desenvolveram enormemente em
meados do século 17. Desde então o arsenal farmacológico da humanidade deu a
início a um crescimento sustentado, que desemboca em descobertas como o MDMA ou
êxtase por Alexander Shulgin, a quem conheço muito. Shulgin é um gênio igual a
seu pai. Sabem o que ninguém sabe sobre os químicos. Eles se juntam e saem com
um pozinho que você toma e a vida muda. Isso é magia!
Seu
livro lembra o importante que é para a disseminação das drogas a relação entre
a religião, a magia e a medicina. E como é nas culturas xamânicas onde primeiro
se começa a distribuir a droga. Mas essa distribuição se fazia com uma técnica
e buscando um fim, o êxtase espiritual, por aí…
Sim,
e com uns ritos muito, muito fechados. Inclusive as pessoas juram não dizer o
que foi que lhes deram, como deram e o que sentiram. essa é a famosa reserva
mística. É evidente que esse sentido místico se perdeu na cultura das drogas.
As drogas proibidas são usadas hoje com finalidades lúdicas.
(O químico Alexander Shulgin em seu laboratório. Foto: Robert Houser)
E isso é parte do problema?
Não.
Tomar drogas por razões lúdicas, recreativas ou de conhecimento, de
introspecção, digamos, é algo correlacionado. O que acontece no terreno das
drogas é algo mais básico ainda, que é a secularização. O que está em crise é o
dogmatismo e a religião superficial. Antes o que havia eram coleções de
súditos, e as drogas eram tomadas com objetivos. Mas já não queremos o “além”,
já não queremos o céu. Estamos satisfeitos com esta vida. Não estamos dizendo,
como Santa Teresa, “tão alta vida espero, que morro, porque não morro”. Como
queremos esta vida, tomamos drogas para podermos nos controlar melhor, para
sermos capazes de trabalhar melhor, para sermos capazes de nos entender e
entender os outros, para curtir. Tudo isso é novo, porque já não há o contexto
mítico ritual que obrigava às reservas místicas. Num mundo secularizado não
esperamos tanto.
O
senhor crê que as drogas ilegais, tal como são usadas no Ocidente, cumprem uma
função cultural significativa?
Para
a juventude são um autêntico rito de passagem, a cerimônia de amadurecimento,
social e individual. Para as pessoas de 40, 50, 60 anos –muitos deles
prisioneiros dos psicodélicos anos 60– são uma reiteração de costumes. Mas,
para os jovens, são uma maneira de se pôr à prova social e individualmente. E
isso ocorre em todo o planeta. Na Tailândia e no Vietnã há raves com uma
periodicidade comparável às de Londres ou Montreal. E nas capitais do Amazonas
também tem raves, com DJs, com drogas e com turistas dos quatro cantos do
mundo.
Isso
lhe dá algo de valor cultural ou é simples decadência?
Decadência
existe no despotismo e no dogmatismo, porque reduzem a realidade, porque nos
dão um mundo abreviado como se fosse um mundo real. No mundo das drogas não
existe decadência. O que acontece é que entre os usuários das drogas, como
entre os usuários de carros ou de jogos, há um setor que é viciante por
natureza. A técnica é neutra. Tudo que a inteligência humana descobriu é neutro
em si mesmo. Somos nós os que, dependendo da pessoa e da ocasião, tiramos as
coisas de sua neutralidade e as fazemos boas ou más.
O
que há de bom no consumo de drogas não prescritas por parte dos jovens?
Aprofundar-se
na regra de conhecer a si mesmo, que segue o princípio socrático, o princípio
da ética. O ritual de amadurecimento das sociedades ocidentais avançadas a
princípios do século 21. Na prática, se vê se o ser tem bom ou mau gosto, se se
controla ou não se controla; se debaixo de sua aparente educação esconde um
monstro autoritário, rancoroso ou deprimido, ou se, pelo contrário –como diria
Freud–, um id (quer dizer, um inconsciente) são e capaz de desfrutar. As drogas
dão à condição humana mais controle, mais capacidade de enfrentar os desafios
da vida. Quando vem a proibição, também vem a desculpa vitimista que permite às
pessoas dizer essa grande falsidade: “Aí, eu não queria, mas sem me dar conta
me tornei escravo e agora sou um pobre farrapo humano. Me permito roubar meus
concidadãos e não cumprir minha palavra”.
(antigo anúncio de cocaína: inofensivas gotas)
Acredita que todas as drogas deveriam ser legais?
Mas
claro! Imagina. É preciso drogar a proibição. Legalizar as drogas me soa tão
disparatado como legalizar o gosto pela pintura, passear ou ler. Não se pode
legalizar uma atividade humana que é um direito civil imemorial. Em meu
entendimento a lei se fez com certas metas, como a Lei Seca nos EUA. Depois de
um tempo foi mais contraproducente do que producente. Digamos que fizemos uma
experiência com a proibição e a experiência falhou. Na Europa, a guerra às
drogas terminou faz pelo menos dez anos. Qualquer um, praticamente, sem nenhum
risco, sempre e quando seja para seu próprio uso, pode conseguir toda a droga
que tenha vontade e nunca vai chegar perto de uma delegacia ou posto policial.
E há muito mais pontos de venda de drogas ilegais do que se vendessem como
antes, nas farmácias e erboristerias.
Nos
tempos da Roma imperial havia 900 tendas que vendiam ópio, além de outras
substâncias. Mas agora em Madri ou em Nova York há entre 45 mil e 80 mil pontos
de venda.
Se
as pessoas podem conseguir de qualquer maneira, o que há de negativo na
proibição?
Não
é tão negativo. O que faz é criar um fenômeno mundial de desobediência civil e,
portanto, de recuperação da essência cidadã. As pessoas se deram conta de que
as leis não foram feitas para nos proteger de nós mesmos, mas para nos proteger
dos outros. Portanto, uma lei como a que proíbe as drogas, que pretende nos
defender de nós mesmos, é uma usurpação e um disparate, pura corrupção do
Direito. Digamos que a proibição teve um efeito positivo de gerar desobediência
civil, que serve para nos dar a sensação e a certeza de que não somos súditos,
somos cidadãos.
Mas
e o argumento segundo o qual a droga nos faz irresponsáveis e perigosos aos
demais cidadãos?
É
uma profecia auto-cumprida do inquisidor farmacológico. Até a proibição, que
começa nos EUA a princípios do século 20, praticamente não existia o conceito
de vítima involuntária das drogas. A partir da proibição, quando meteram na
prisão milhares de médicos e farmacêuticos porque não queriam cumprir as ordens
do Executivo, apareceram umas pessoas que vivem dessa desculpa. Agora as drogas
te dão desculpa para não fazer nada, para ser um merda com a tua família, com
teus amigos e com os outros. Você é um farsante, um iludido, mas quem te deu os
argumentos e as bases para se comportar assim foi quem proibiu as drogas e lhe
pôs o estigma de “coisas demoníacas”.
Há
substâncias como a heroína que, uma vez que você as toma, se sente disposto a
fazer coisas que sem elas não faria, pela mera necessidade de consegui-las…
Isso
não é correto. A heroína é muito menos viciante do que o tabaco ou o café. 100
a 200 vezes menos viciante. Eu, por exemplo, uso heroína há 35 anos, mas
assim, on and off, como dizem os americanos. Nunca tomo por mais de
um par de dias seguidos porque me dá ressaca, claro. E com o passar dos anos
fui baixando a dose. A heroína é uma substância de um efeito sutil que não se
nota muito, é preciso ter os sentidos muito aguçados para você notar em que te
afeta. Nas primeiras horas você sente muita energia, como se fosse uma espécie
de anfetamina, mas suave, sedosa. É um alívio para as pessoas coléricas ou
irascíveis. O método da injeção, que é o que deu sua má fama, já é arcaico.
Agora se toma através do chasing the dragon. Fuma-se em um papel
alumínio ou se cheira. O sujeito vampiresco, esse junky que se injetava, era na
realidade um discípulo direto do inquisidor farmacológico, e como o inquisidor
farmacológico vai perdendo o sentido, tampouco têm sentido essas práticas de se
injetar na veia e pegar enfermidades horríveis.
O
senhor acha que estão perto de cair as barreiras e de que haja liberdade total
em relação a estas substâncias?
O
que ocorre é que este tipo de cruzada nunca se resolve com um decreto que diga:
“senhores, nos equivocamos, era permitido pensar livremente,” ou “era permitido
praticar magia”. O Vaticano e as igrejas protestantes ainda não disseram
“matamos 300 mil pessoas na fogueira por praticar a magia”, mas todo mundo sabe
que a magia é um direito civil que todos têm. A proibição segue um assunto de
Direito e em alguns países acarreta altíssimos riscos, até a pena de morte. Há
33 países com penas de morte. Mas no mundo civilizado, sobretudo na Europa, a
proibição de fato não existe. Claro, os principais traficantes de drogas no
mundo são pessoas ligadas à polícia e aos governos.
O
senhor teve alguma vez problemas de vício ou dependência?
Sou
viciado em tabaco. O que ocorre é que sou porque quero, porque não me parece
que a vida valha a pena sem meus cigarros. Sigo crendo que é um absurdo falar
em liberdade separada de responsabilidade. As liberdades que tomamos são
responsabilidades que assumimos. É possível que, por fumar, abrevie minha vida
ou tenha um futuro muito ruim. Mas não sou viciado em nenhuma outra droga. Por
exemplo: adoro a heroína, embora compreenda que é mais difícil tomá-la com
mesura e sensatez por todo o imaginário social que a rodeia. Como se supõe que
a droga é viciante por excelência, as pessoas entram por esse caminho muitas
vezes porque lhes convém, porque têm problemas emocionais, sociais,
profissionais ou psicológicos, e se refugiam aí como uma desculpa muito boa
para dramatizar sua necessidade de ajuda e de dependência.
Parece
bastante irônico que seja a droga menos emocionante a única que lhe viciou.
Quando
lhe falta energia, você dá várias tragadas e muito fortes, e imediatamente sobe
seu tom energético. Quando necessita tranquilidade, você dá tragadas espaçadas
e não profundas e te tranquilizam. É a única droga que tem efeito duplo e além
disso estimula a inteligência. O tabaco é a única droga sagrada desde o Alasca
até a Amazônia.
Acredita
que o tabaco está perdendo a briga?
Não
a perderá nunca. É forte demais, é gratificante demais para o usuário. Poderá
inclusive haver uma grande rebelião se insistirem em persegui-lo. Imagine se,
através de meios modernos como a internet, os usuários começarem a fulminar as
companhias aéreas, para começar: somos 200 milhões de usuários de tabaco.
Lufthansa, se você não mudar em dois meses, ninguém viaja. Dando-lhes
ultimatos. As companhias aéreas fazem economias em escala, de repente ficam sem
10 milhões de clientes em um mês e pum!, bancarrota. Além de outras medidas
mais simples, como por exemplo nos EUA, onde há regras tão severas que
aterrissam um avião se alguém acende um cigarrinho… se poderia conseguir que,
de repente, às dez para as cinco, 100 milhões de americanos acendam seu
cigarrinho em aviões. Toda vez que os seres humanos se puseram de acordo
conseguiram coisas assombrosas. Cortaram a cabeça de Luís 16.
Uma
droga tão massivamente utilizada como a maconha afetou negativamente a cultura?
É
curioso, porque agora descobriram seus números utilidades médicas e
terapêuticas. Tem, inclusive, todo tipo de princípios nutritivos. E é
extraordinária até para conter a erosão. Com ela se pode fabricar papel melhor
do que o que temos.
(um feliz usuário de maconha medicinal na
Califórnia)
E o que tem de mal?
Eu
creio que certo tipo de personalidade, a que tem temor de si mesma, a pessoa
que leva uma máscara, que se impõe um papel, não deveria fumar maconha e sofrer
seus efeitos porque o desnudaria, romperia seu casco de rotinas. O cânhamo tem
o poder de revelar esta diferença radical entre o aspecto e o interior das pessoas,
então todas as pessoas que vivem disfarçadas não deveriam fumá-la.
O
que opina do crack?
Fumei
crack e acho que é mais euforizante, mais gratificante para o usuário que a
cocaína. É dirigida a um público de poder aquisitivo não muito alto, porque ainda
não está refinada. É muito mais barato, só é pasta base. Não precisa ter
respeito pelo conhecimento científico. Por exemplo: o crack não é mais tóxico
que a cocaína. O que acontece é: quem toma crack? Os negros mais ferrados dos
EUA. Os adolescentes com menos perspectivas profissionais. As drogas mais
perigosas do mundo, as que podem realmente enlouquecer você, são vendidas nas
farmácias e são os neurolépticos.
Que
tipo de drogas que ainda virão que emocionam o senhor?
A
2CB ou afro nexus. Outro produto da grande mente de Shulgin. Não
tem muito poder visionário, mas possui uma capacidade introspectiva e
afrodisíaca que, em minha opinião, é a principal aspirante a favorita no século
21. Espero que cada vez façam drogas mais ativas. Quer dizer, que com menos
quantidade tenha maior efeito. E também drogas que tenham um efeito intenso,
mas breve. A vida moderna não te permite viajar como com a mescalina, umas 20
horas. Agora nos interessam os fármacos que nos permitam, em uma ou duas horas,
resolver o nó psicológico antes vinculado a drogas como a mescalina. Creio que
tanto a indústria química legal como a ilegal estão em uma busca frenética por
princípios cada vez mais puros, mais potentes e ao mesmo tempo de ação mais
breve, que com menos impregnação dos tecidos orgânicos tenham os mesmos
efeitos. Por exemplo: todos que amamos o tabaco, o que realmente amamos é a
nicotina. Por que produzir a grande liberação de nicotina buscada com a ajuda
de uma brasa, se podemos metê-la rapidamente em um aparelhinho que a vaporize e
que, sem a necessidade de produzir alcatrão, sem necessidade de combustão,
libere nicotina para que nós possamos absorver um pouco?
Que
droga o senhor não pôde provar que gostaria?
Nenhuma,
todas as que me chamaram a atenção provei.
Sentiu
que as drogas alterem a química do corpo, e que essa alteração seja negativa?
Não.
Se você entra numa ordem religiosa e faz voto de pobreza, obediência e
castidade, tem uma alteração química muito mais potente do que tomando uma
mescla de heroína e cocaína. Se você se mortifica e pratica o jejum, cria em
seu corpo um efeito muito parecido ao das drogas. Nós somos uma bomba química.
O que acontece é que há um êxtase, digamos, digno –o que se consegue com os
votos de pobreza, castidade, obediência e mortificação– e um êxtase indigno,
que se consegue tomando RC25 ou morfina. São coisas que dizem os ignorantes, os
fanáticos, os dogmáticos.
Quando
se pensa no movimento xamânico…
Os
xamãs são os médicos e diretores espirituais das sociedades simples. Nas
sociedades complexas, como as que temos agora, as soluções xamânicas não
parecem úteis. Conheci xamãs, mas não me pareceram pessoas mais respeitáveis do
que qualquer outra, tampouco menos.
O
senhor crê que todos deveríamos ter livre acesso a tudo?
Aos
poucos, sim. O que acontece é que cada droga deveria ter seu lugar de venda. Em
meu modo de ver, deviam vender em pontos diferentes. A de paz e energia
–heroína e cocaína– e as hiper perigosas – beladona, datura – na farmácia. As
de viagem, que as tenham nos departamentos de antropologia, ciência e artes das
universidades porque ajudam a capacidade criativa. As básicas, ou seja, as de
maior uso, como a maconha, em supermercados.
A
respeito da educação, o que é necessário transmitir para nossos filhos?
Amor
próprio e senso estético. Conscientizar que estão fazendo uma experiência
científica ao tomar drogas, que estão indo por um terreno do qual vão tirar
informações. Que as drogas os ajudem a conhecer melhor o que é a condição
humana, intelectual e emocionalmente.
Qual
deve ser a atitude no momento que se libere tudo, quando não houver proibição?
Amar
a si próprio. A razão para tomar drogas é conhecer a si mesmo. Você precisa
tomá-las amando a si mesmo, se respeitando e, naturalmente, respeitando os
demais. Só respeita os demais quem respeita a si mesmo. A vida tem uns altos e
baixos evidentes, além de ter que ir envelhecendo e sofrer de doenças. Muitas
vezes nos faltam horizontes, outras vezes sentimos dores, outras vezes, falta
de energia, uma apatia que nos faz indolentes e nos faz perder oportunidades de
ascender, de ter uma vida melhor. As drogas estão aí como doadoras genéricas de
paz, de energia e de abstração. Que as usemos assim ou não, depende de cada
indivíduo. Os automóveis também servem para nos locomovermos de um lado para o
outro e há insensatos que vão e matam cinco e em seguida se matam a si mesmos…
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