NOSSO TERROR COTIDIANO
Fonte: <https://www.facebook.com/910850002294161/photos/a.981456558566838.1073741832.910850002294161/981456665233494/?type=3&theater> |
Lamentavelmente, vimos assistindo cenas de guerra no Oriente
Médio com reflexos importantes em cidades europeias e nos EUA. A mídia mundial
e, como consequência, a mídia brasileira repercute intensamente essas cenas de
violência, como agora em relação aos ataques efetivados por cidadãos belgas e franceses
aliados do denominado “Estado Islâmico”. Sem a menor sombra de dúvida devemos
todos nos posicionar contrários a ataques como estes, que espalham o terror.
Por outro lado, no Brasil e de modo específico, na grande Fortaleza,
também temos assistido cenas de violência que aterrorizam bairros populosos. O que
caracteriza o terror é o medo generalizado criado por situações de
violência, que geram a expectativa que podem se repetir a qualquer momento.
Por isso, afirmamos que também vivemos nas periferias das grandes cidades brasileiras
situações de terror.
Não é coincidência que os bairros onde acontece o terror são
habitados por pessoas empobrecidas e negras em sua maioria. E a desculpa para
que haja essa situação de guerra e, portanto, violência e terror, é sempre a
mesma: “guerra ao tráfico de drogas”. Esta frase tem justificado a que ambos os
lados da guerra, “polícias” (militar, civil, forças armadas) e o “traficantes” transformem
espaços de vida em espaços de medo e terror, com a esmagadora maioria das
pessoas que lá habitam sofrendo dia-a-dia as consequências de uma guerra, sem o
menor sentido (exatamente como toda a guerra terrorista).
Aqui no Brasil temos a conformação da mídia que transforma essa
guerra em espetáculo em programas específicos de violência, que longe de
estarem preocupados com a situação da população dos bairros periféricos, servem
de trampolim para que seus apresentadores e apresentadoras subam em mais um
degrau de sua fama, candidatando-se a cargos políticos sob promessas de
realizar ações que, na verdade, irão ampliar ainda mais a situação de violência,
com propostas milagrosas cujo mote é “bandido bom é bandido morto” (ainda que a penas de morte seja formalmente
condenada pela nossa legislação e pelo moralismo cristão).
Os que também deveriam estar preocupados em buscar soluções
conjuntas, reunindo as populações mais atingidas pela violência e as escutando,
fecham seus ouvidos e olhos, evitando falar dos problemas que causam tantas
atrocidades como a falta de condições mínimas de vida digna nas periferias. Nos
referimos aos políticos e setores do sistema judiciário.
A guerra que mata dezenas de adolescentes e jovens adultos negros
nas periferias de nossas cidades, justificada como “guerra ao tráfico de drogas”
não pode nos embotar. Deveríamos baixar as nossas bandeiras a meio mastro,
fazer vigílias, colocar flores nas portas das famílias desses jovens, exigir
que as “autoridades”, a mídias, deixem de hipocrisia e venham a público assumir
que deixam de se empenhar em resolver problemas sociais e de saúde por
incompetência ou consciente omissão.
Moradores do Bairro Curió, na grande Messejana, saíram às
ruas no último domingo (15/11) para mais uma vez tentar sensibilizar-nos,
protestando contra onze assassinatos. Dentre essas pessoas assassinadas no dia
11/11 haviam dois garotos, um de 17 anos e outro de 18 anos, que frequentavam o
CUCA-Jangurussu, onde o NUCED atua juntamente
com o Coletivo Balanceará em ações
de Redução de Danos.
Essa foi a quinta chacina no Estado do Ceará, sendo três
delas em bairros de Fortaleza ou arredores como essa agora em Messejana.
Detalhe também importante: nenhum dos jovens mortos dia 11/11 tinha alguma “passagem
pela polícia” relacionada com tráfico de drogas ou violência letal.
A resposta das “autoridades” é “pacificar’ comunidades com
mais polícia? Pacificar um bairro significa afirmar dizer que seus moradores perpetram
guerra e nela vivem? Significa que não há vida nesses bairros para além da criminalidade?
Alguma coisa está muito errada nessa avaliação. E o erro vem
de longos anos onde a população negra vem sendo discriminada e seus descendente
mais próximos submetidos a condições de moradia, transporte, educação péssimos.
Por isso, sim deveriam se rebelar! Mas, apesar de serem maioria, optam por
protestar em manifestações que se repetem, nos mostrando que são pessoas que
estão em lugares vivos que não precisam ser pacificados.
As tais “autoridades” apressam-se na disputa de câmeras e microfones
para dizer “vamos apurar e responsabilizar os culpados”. Essa frase passou a ser
motivo de descrença na justiça: é repetida sob os auspícios do descrédito.
As mortes de jovens negros nas periferias de nossas cidades
não nos indignam como as ações do terror no mundo afora. Repetimos: algo
está muito errado!
O Supremo deveria atuar como vinha atuando quando
discutiu o casamento “gay” e dizer que o Estado não pode ser moralista. Mas nos
faz perder também a crença de que estavam realmente interessados em acabar com
a essa guerra às drogas, que na verdade é guerra aos empobrecidos e negros das
nossas periferias. Votavam a descriminalização do consumo de drogas, quando a sessão desse dia foi suspensa porque
o ministro Teori Zavascki pediu mais tempo para analisar o processo. “O NUCED já
se posicionou sobre o tema, trazendo para o debate a necessidade de superar a
lógica proibicionista e centrarmos nossas ações no cuidado de quem usa drogas
de forma abusiva, sobretudo alertamos às ações violentas que são direcionadas
as pessoas pobres, jovens, negras e masculinas. ” (http://nuced.blogspot.com.br/). Várias
pesquisas acadêmicas apontam para a descriminalização das drogas, com exceção de
algumas poucas que estão longe da situação das periferias.
Enquanto o Supremo e
demais “autoridades” (acadêmicas, políticas, militares, religiosas, etc) ficam
debatendo em seus gabinetes e auditórios “saneados”, mais jovens são
assassinados e o terror se espalha nas periferias. Será que só quando os tiros,
tanques de guerra e UPPs vierem para os bairros de classe média e alta,
resolverão dar ouvidos a população?
(Ricardo Pimentel Méllo)
Veja mais sobre essa chacina em:
De fato precisamos ampliar e aprofundas nossos olhares e ouvidos para aquilo que na grande mídia e no discurso eleitoreiro de políticos se trata como algo simplesmente pontual, localizado e condenável. Saber que muitas vezes essa "guerra contra as drogas e os traficantes" serve, na verdade, muito mais como estratégia discursiva para basear ações contrárias aos direitos e à vida de cidadãos e cidadãs colocados/as na mira por serem pobres, negros/as, desempregados/as, morarem em regiões periféricas e com baixas condições sóciosanitárias, como se O perigo lá morasse e atingisse todos e todas. Assim, o extermínio, a violência se perpetram cada vez mais em pessoas e grupos que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Precisamos unir nossas forças e divulgar e criar estratégias para efetivar as políticas de equidade. Denunciar e explicitar como os argumentos têm sido construídos em torno de determinadas pessoas e grupos e os efeitos disso para eles e elas e para o restante da sociedade. Sigamos juntxs.
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