domingo, 25 de setembro de 2016

Injustiça terapêutica

Hélio Schwartsman

Publicado na Folha de São Paulo:
25/09/2016 02h00

    Gustavo Simon/Folhapres
Sala da Scotch Whisky Experience, em Edimburgo, que expõe 3.384 garrafas da bebida, 
a maior coleção do mundo. (Foto: Gustavo Simon/Folhapress)

Há várias coisas boas que poderíamos copiar dos EUA, mas a mania de condenar judicialmente pessoas a submeter-se a tratamento para abuso de álcool ou drogas não é uma delas.

Minha primeira objeção é filosófica. Não cabe ao Estado determinar o que o cidadão pode ou não ingerir. As leis que buscam fazê-lo são, a meu ver, espúrias. O que o poder público deve legitimamente regular são atitudes de usuários que possam afetar terceiros. Ou seja, se alguém quiser se dopar até cair, tem todo o direito de fazê-lo; o que não pode é pegar um carro e sair dirigindo enquanto estiver nesse estado de torpor.

Essa distinção já produziria um efeito jurídico. Aquele que apenas usa drogas, mesmo que seja um dependente pesado, jamais deveria parar na frente de um juiz. Se, porém, arrumou confusão com a Justiça devido a outro delito, é por ele que deve responder, não pelo uso de tóxicos.
Lamentavelmente, o Brasil conseguiu produzir uma legislação bastante incoerente sobre drogas, que tenta, sem oferecer nenhum critério objetivo, separar traficantes de usuários e dependentes, mas que ainda prevê sanções para os dois últimos. Com isso, ficamos no pior dos mundos possíveis, que cria insegurança jurídica, pois permite às autoridades enquadrar como traficante qualquer usuário com que não simpatizem, e também onera o sistema, ao possibilitar que um cigarro de maconha mobilize policiais, delegados e juízes.

Como se isso fosse pouco, a ideia de condenar a tratamento psiquiátrico alguém que não esteja disposto a fazê-lo é quase um acinte no Brasil, onde milhares de pessoas buscam avidamente uma vaga de internação ou ambulatorial para tratar sua dependência e não a encontram.


O mundo não é um lugar idílico onde o Estado resolve todos os problemas. Drogas existem e destroem a vida de uma fração das pessoas que as experimentam. Mas precisamos aprender a conviver com isso.

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