terça-feira, 6 de junho de 2017


MAIS UM GOLPE EM AÇÕES DE CUIDADO EM SAÚDE
 QUE TÊM A PERSPECTIVA DA REDUÇÃO DE DANOS
[AGORA NA BAHIA]


“O Ponto de Cidadania” é um projeto, financiado pela Superintendência de Prevenção e Acolhimento aos usuários de Drogas e Apoio Familiar (SUPRAD), vinculada à Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS), do Governo do Estado da Bahia, e era executado através do convênio com a Comunidade Cidadania e Vida (COMVIDA).

O projeto visa ofertar um serviço de promoção da saúde, cidadania, em Salvador. Desde 2014, a equipe do Ponto de Cidadania desenvolve um trabalho reconhecido nacionalmente com o objetivo de “Oferecer um espaço de acolhimento para pessoas em situação de rua, usuárias de substâncias psicoativas, com o propósito de fomentar o cuidado com a saúde, o autocuidado e a cidadania”.

No entanto, no dia 31 de agosto desse ano, o projeto foi interrompido. Em Nota Oficial, a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS).

Abaixo reproduzimos os escritos de psicóloga Patrícia Flach

O Ponto de Cidadania acabou?
A resposta objetiva a esta questão seria “sim”, já que no último dia 29-05, a Secretaria de Justiça, do Governo do Estado, através da SUPRAD, informou o fim do contrato emergencial do Ponto de Cidadania e a necessidade de interrupção imediata das atividades. Mas a equipe, “teimosamente”, ou melhor, eticamente, mais uma vez, não parou. Os trabalhadores, mesmo com o contêiner fechado, continuam a ir para as ruas, escutar as pessoas, acolher seus sofrimentos, acompanha-las a serviços de saúde, sociais ou jurídicos, ampará-las em suas dores, tão grandes, tão grandes que indizíveis. Entre o sofrimento solidário com a tristeza desse outro e a alegria que retorna a nós quando honrosamente nos é permitido “cuidar” , pelo “Ponto”, como ficou conhecido, passaram muitas pessoas, para além daqueles em “situação de rua”, a quem o serviço inicialmente se destinara: estudantes e trabalhadores em formação, pessoas da comunidade que queriam “ajudar”, crianças e adolescentes que utilizam as praças e ruas nas proximidades ao serviço, profissionais e pesquisadores de vários lugares do mundo, familiares em busca de seus entes queridos, religiosos, curiosos e até alguns poucos políticos mais “sensíveis à causa”...  Muitos passaram pelo “Ponto” e levaram ele consigo... Nos gestos acolhedores de trabalhadores e usuários, e nos “olhares entrecruzados”, todos fomos transformados. “Seu olhar transforma o meu”! Não ao acaso esta música de Arnaldo Antunes foi escolhida por nós, profissionais, para representar o “Ponto” em toda sua poesia e musicalidade. O horror das violências relatadas e vivenciadas no cotidiano das ruas se transformava, para nós, em esperança, diante do olhar corajoso e da inimaginável capacidade de resistência “dessas pessoas” que permanecem vivas, quando marcadas para morrer, mostrando-nos que o Ponto de Cidadania é muito mais que o “contêiner” que o fez conhecido, mas o encontro entre humanos em toda sua complexa simplicidade e radicalidade ética de defesa da vida. Então, a resposta a questão que iniciou esse relato é “NÃO”, o Ponto de Cidadania não acabou, nem acabará, pois que resistentemente continuaremos na luta, mesmo sabendo que, como nossos usuários, nascemos condenados à morte súbita, fora de hora e de lugar, a morte evitável, pois que por negligência, por descaso, por preconceito, por nada... morte que nos torna menos humanos e, contraditoriamente, mais humanos, enquanto resistimos... Afinal, “mudar o mundo, meu amigo Sancho, não é loucura, não é utopia, é justiça!”

Minha eterna gratidão aos trabalhadores e amigos, os de hoje e os que já passaram pelo Ponto... aos usuários, os que continuam vivos e aos que já se foram..., pois, com vocês, me tornei uma pessoa melhor

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